Aula 6 - Dons Extraordinários


Aula 06
Dons Extraordinários do Espírito

Introdução
A abordagem que iremos fazer neste curso sobre os Dons Extraordinários do Espírito é vinculada a uma visão teológica reformada. Claro que dentre os reformados temos ao menos duas linhas de pensamento majoritárias sobre a realidade e atualidade destes dons, mas vamos trabalhar com o conceitual de sua excepcionalidade e extraordinariedade. 
Portanto, tenderemos a uma perspectiva teológica cessacionista, embora, pessoal cogitemos a possibilidade deste cessacionanismo não ser considerado pleno e absoluto, restando, em nossa opinião, a opinião de que a sua excepcionalidade e extraordinariedade pode ser reeditada por Deus para realizar os seus propósitos. Mais à frente, abordaremos essa possiilidade para esclarecer o nosso ponto. 
Nas listas bíblicas do Novo Testamento, estes dons extraordinários são relacionados apenas em 1 Corintios 12, sendo omitidos nas outras listas e isto já pode ser um sinal importante para o seu bom entendimento. Contudo, eles são mencionados em outras partes, em particular no texto histórico de Atos 2 e 10, além do capítulo 13 e 14 da própria Carta aos Coríntios e do texto de Hebreus 2 e Marcos 16, num contexto de explicação e reafirmação do evangelho. Sem dúvida, outros textos podem tocar no assunto de forma mais transversal, mas estes textos levantados serão os mais importantes para a nossa análise nesta aula. 


1Coríntios 12.8 a 10
1Coríntios 12.28-30
Dons de Línguas e Interpretação
Línguas e Interpretação
Variedade de Línguas e Interpretação
Dons de Curas
Curar
Curar
Operação de Milagres

Operadores de Milagres

A Finalidade dos Dons Extraordinários
Dentro do movimento pentecostal da atualidade, há uma perspectiva continuísta dos dons extraordinários e sua relevância na igreja hoje é devido ao fato de “serem um sinal do batismo do Espírito Santo”.  
Evidentemente, no movimento pentecostal atual, há muitas novas perspectivas sobre essa evidência do Batismo do Espírito por meio do uso dos dons. Contudo, a posição tradicional do pentecostalismo é que o falar em línguas é o momento de explicitação do “Batismo do Espírito Santo”, o que ficou conhecido historicamente como “a segunda bênção”.
Não temos um espaço e ou condições de trabalhar teologia pentecostal em nossa aula, então, vamos provocar o tema, com uma abordagem diretamente ligada à perspectiva reformada cessacionista ou semi-cessacionista, como mencionamos acima.
Dons para afirmação do Evangelho
Nos primórdios da mensagem do Evangelho, os dons extraordinários eram um forte apoio para a credibilidade da mensagem pregada, como uma espécie de credencial do apostolado e do próprio evangelho. 
Estes sinais hão de acompanhar aqueles que crêem; em meu nome, expelirão demônios; falarão novas línguas; pegarão em serpentes; e, se alguma coisa mortífera beberem, não lhes fará mal; se impuserem as mãos obre enfermos eles ficarão curados (Marcos 16.18).
Por esta razão, importa nos apeguemos, com mais firmeza, às verdades ouvidas, para que delas jamais nos desviemos. Se, pois, se tornou firme a palavra falada por meio de anjos, e toda transgressão ou desobediência recebeu justo castigo, como escaparemos nós, se negligenciarmos tão grande salvação? A qual, tendo sido anunciada incialmente pelo Senhor, foi-nos depois confirmada pelos que a ouviram; dando Deus testemunho juntamente com eles, por sinais, prodígios e vários milagres e por distribuições do Espírito Santo, segundo a sua vontade (Hebreus 2.1-4). 
Estes dois textos nos dão o tom do uso destes dons como credenciais da mensagem do Evangelho. Eles foram sinais extraordinários dados por Deus para que a mensagem anunciada fosse crida e considerada como vinda da parte de Deus. 
O próprio Senhor Jesus, o Messias de Deus, tem na extraordinariedade de alguns dos dons do Espírito sobre ele, de tal forma que a sua messianidade era comprovada pela presença destes dons em seu ministério. Isto confirmava ao seu poder espiritual, mas também o cumprimento das profecias (Is 61.1; Lc 4.18-19). 
Da mesma forma como o ministério do Messias foi corroborado pela presença dos dons extraordinários e o seu cumprimento profético, os dons espirituais do povo de Deus tiveram este papel, como podemos aprender na aplicação que Pedro fez do Profeta Joel. 
Mas o que ocorre é o que foi dito por intermédio do profeta Joel: E acontecerá nos últimos dias, diz o Senhor, eu derramarei o meu Espírito sobre toda a carne; vossos filhos e vossas filhas profetizarão, vossos jovens terão visões, e sonharão vossos velhos; até sobre os meus servos e sobre a minhas servas derramarei o meu Espírito naqueles dias, e profetizarão. Mostrarei prodígios em cima no céu e sinais embaixo na terra; sangue, fogo e vapor de fumaça. O sol se converterá em trevas, e a lua, em sangue, antes que venha o grande e glorioso Dia do Senhor (Atos 2.16-20).
O que podemos notar é que a realidade destes dons tinha como interesse inicial o apontamento da veracidade e da origem espiritual da mensagem que estava sendo pregada. Duas formas de fortalecer essa origem espiritual se apresentam aqui: primeiro o poder excepcional que é empregado na natureza destes dons; a segunda é a sua ligação com as profecias bíblicas.
O Poder Excepcional dos Dons Extraordinários 
Quando estudamos os dons espirituais ordinários, o que vimos foi uma natureza espiritual, dentro de um ordenamento natural. Por exemplo, quando falamos em dom de ensino, ou palavra de conhecimento, ou ainda de misericórdia, contribuição, socorro ou presidência, o que encontramos são realidades da ordem natural, provocadas pelo Espírito Santo em uma medida e com uma dinâmica espiritual para uso no Corpo de Cristo. 
No entanto, quando pensamento em “dons de línguas e interpretação”, “dons de curar” e ou “realização de prodígios”, o que percebemos é que a sua natureza intrínseca é que pertencem a uma ordem fora do ordenamento natural da realidade.
Dons de Línguas na Descida do Espírito Santo – Quando os discípulos estavam reunidos no cenáculo, aguardando a descida do Espírito Santo, o evento que ocorreu rompeu com a ordem natural. Veio do céu um som – apareceram línguas – passaram a falar em outras línguas– todas estas expressões mostram eventos que rompem com a ordem natural da realidade. Sons, imagens e um acontecimento inesperado e inexplicável de falaram em línguas que eles não conheciam e não aprenderam. 
Milagres dos apóstolos– podemos tomar alguns dos milagres realizados pelos apóstolos, como por exemplo a cura de um coxo (At 3.1-10); ou a ressurreição de Dorcas (At 9.36-43). O que se pode notar nestes eventos e em outros é que eles rompem com a realidade natural e interferem no ordenamento, provocando uma realidade sobrenatural. 
O Cumprimento de Profecias e os Dons Extraordinários 
A excepcionalidade dos dons é principalmente vista na sua interligação com as profecias que anunciavam a presença do Reino Messiânico e do Evangelho do Reino. Começando pela mensagem de Pedro em Pentecostes, quando o próprio apóstolo anuncia que o falar em línguas que estava acontecendo naquele momento era o cumprimento de Joel 2.28-32. 
Paulo entendeu o uso de línguas no contexto negativo da profecia de Isaías 28.11-12, conforme ele registra em 1Coríntios 14.20-22. 
Na lei está escrito: Falarei a este povo por homens de outras línguas e por lábios de outros povos, e nem assim me ouvirão, diz o Senhor (1Co 14.21). 
A relação entre as profecias e a mensagem do Evangelho é celebrada nas sagradas escrituras como uma proposta de continuidade, porque o mesmo Espírito dos profetas, falou por meio dos apóstolos.

O Dom de Línguas
Nota: grande parte deste material é extraído de: https://cessacionismoemfoco.blogspot.com/2014/08/o-dom-de-linguas-hoje.html 

O dom de línguas é um dos dons que estamos considerando extraordinários. Ele foi o principal mecanismo do Espírito para a propagação do Evangelho, no que diz respeito a pregação do mesmo e à confirmação da origem divina da mensagem pregada.

O que foi o dom de línguas dado em Atos 2.1-é o dom de línguas?
Bíblia expõe o dom de línguas como uma capacitação sobrenatural que permitia que algumas pessoas falassem das grandezas de Deus em outro idioma sem que nunca o tivessem aprendido. 
O dom de línguas descrito na Bíblia não era fruto de exercícios ou de aprendizado, mas um “dom”, algo dado por Deus. Outra característica marcante desse dom é que ele não estava ao alcance de todos. Todo cristão recebia, e ainda recebe, algum dom do Espírito Santo. Porém, o dom não era escolhido pelas pessoas, mas dado pela vontade de Deus para a edificação do corpo de Cristo (1Co 12.28-301Pe 4.10,11). 
As línguas pronunciadas por aqueles que possuíam o referido dom eram de natureza terrena. No Novo testamento, duas palavras são usadas para se referir a línguas: Glossa e Dialéktos. A primeira significa “idiomas”, ou língua (órgão anatômico). A segunda significa “idioma” ou “dialeto”. Esses sentidos apontam para línguas terrenas, idiomas utilizados ao redor do mundo. 
Apesar da clareza dos termos, parte da confusão sobre o dom de línguas no Brasil se deve à tradução da versão “Almeida Revista e Corrigida”. Ela traduz a palavra glóssais (línguas) em 1Co 14.5,6,23, com a expressão “línguas estranhas”. Isso deu margem ao entendimento equivocado de que as línguas fossem estranhas à raça humana, justificando a produção de sons e sílabas sem qualquer sentido ou a crença de se tratar de um idioma exclusivo dos anjos. Essa certamente não era a intenção dos tradutores da versão Almeida, pois resolveram este mal-entendido na versão “Almeida Revista e Atualizada”, com a expressão “outras línguas”. 
A afirmação de que as línguas faladas pelos discípulos eram “línguas de anjos” não é verdadeira. Paulo combate os desvios e maus usos do dom de línguas em 1Coríntios 14 normatizando sua utilização, cortando os excessos cometidos na igreja e proibindo algumas pessoas de exercê-lo no culto público. A preparação para esse tratamento começa no capítulo anterior: “Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, serei como o bronze que soa ou como o címbalo que retine” (1 Co 13.1). Paulo comparou as pessoas que falavam em outras línguas, mas que não amavam seus irmãos, a sinos ou gongos metálicos cuja única função era fazer barulho quando golpeados. Eram homens e mulheres que não desenvolviam sua habilidade sobrenatural para o bem dos outros, nem para o crescimento do corpo de Cristo, mas para exibição pessoal e para serem admirados e invejados.
O apóstolo estava tão preocupado com a situação que, ao mostrar a necessidade do amor, utilizou uma figura de linguagem chamada hipérbole. A hipérbole consiste no exagero de uma expressão a fim de realçar uma ideia ou demonstrar a forte intensidade de um sentimento. Os três primeiros versículos do capítulo 13 são expostos sob esse prisma. No v. 1 Paulo diz que falar “muitas” línguas sem amor é algo inútil e sem propósito. Ele estende o raciocínio e afirma que o mesmo se daria se alguém falasse até mesmo a linguagem dos anjos. Devemos notar que não há relatos na Bíblia de uma língua específica de anjos, pois em todas as vezes que os anjos falaram com os homens, o fizeram em idiomas humanos. Paulo falou sobre “língua dos anjos” em 1Co 13.1 para ressaltar, por meio de uma hipérbole, que não importava o quanto os irmãos de Corinto se impressionavam com esse dom – o amor era maior e necessário. 
Portanto, quando a Bíblia fala sobre o dom de línguas ela se refere a uma “capacitação exterior ao homem que o habilita a falar da glória de Deus em outro idioma humano não conhecido para aquele que fala.”
O dom de línguas é sinal de espiritualidade?
Dois livros bíblicos que tratam sobre o dom de línguas são Atos e 1CoríntiosAtos não é um livro fundamentalmente normativo ou doutrinário. É uma obra histórica que narra corretamente os primeiros anos da Igreja cristã. Por sua vez, 1Coríntios é um livro doutrinário que traça normas claras de conduta visando ao desenvolvimento da igreja. Apesar da diferença de enfoque, ambos os livros apontam para a mesma realidade a respeito das línguas.
É possível notar no livro de Atos que o dom de línguas não era sinal de maturidade espiritual. Apesar de sua primeira aparição ter-se dado em 120 “discípulos de Cristo” (At 2), em outras ocasiões se deu em recém-convertidos (At 10.44-46; 19.6,7). Em resumo, o livro de Atos olha para o dom de línguas de uma maneira positiva. Ele é a demonstração da vinda do Espírito Santo sobre a Igreja como Jesus prometeu (At 1.8 cf. Jo 14.1615.2616.7) e da habitação do Espírito Santo em cada crente a partir da sua conversão (At 2.38 cf. Ef 1.13,14). 
Em 1Coríntios, o apóstolo Paulo trata do dom utilizado por crentes que, tendo condições de serem espirituais, comportavam-se ainda como carnais e mundanos (1Co 3.1,2). A igreja de Corinto, apesar de ser rica em dons, não era uma igreja espiritual. 
Mais uma característica do ensino de 1Coríntios é que em parte alguma Paulo ensina que “todos” os crentes deviam falar em línguas. Em lugar disso ele afirma que cada crente recebe um dom dado segundo a vontade de Deus (1Co 12.11) para a edificação da igreja. O fato de Paulo associar a falta de amor ao dom de línguas dentro da igreja de Corinto (1Co 13.114.1) demonstra que alguns tinham dons desejados pela maioria – como falar em línguas – e outros não, sendo esse o motivo da soberba dos que falavam e dos ciúmes dos que não falavam (1Co 13.4 – “... o amor arde em ciúmes, não se ufana, não se ensoberbece.”). Além disso, Paulo afirma expressamente que nem todos possuíam o dom de línguas (1Co 12.28-30). 
Devido à inutilidade do dom de línguas sem que houvesse interpretação (1Co 14.9,16-19) e dos danos que podia causar ao Evangelho entre os visitantes (1Co 14.23-25), Paulo também deu normas e proibições para o uso do dom de línguas no culto público. Assim, não poderiam falar no culto todas as pessoas que tinham o dom de línguas, mas apenas duas ou, “no máximo”, três, no momento adequado e não ao mesmo tempo. Se ao falar não houvesse ninguém na igreja que pudesse entender o idioma e traduzir para o restante da igreja, quem estava falando deveria se calar. Paulo diz que se não houvesse interpretação ninguém seria edificado (1Co 14.27,28).
Quando o dom de línguas era exercido segundo essas regras, ele não podia ser proibido (1Co 14.39,40). Paulo também afirma que a espiritualidade dos crentes que falavam em outras línguas poderia ser avaliada não pelo fato de falarem, mas pelo fato de se submeterem a tais orientações (1Co 14.37,38). 
Há diferenças entre as línguas de hoje em relação às dos do ‘Novo Testamento’?
Atualmente, o que se conhece por dom de línguas guarda diferenças marcantes entre o dom descrito e normatizado nas páginas no Novo Testamento. Quando olhamos para o fenômeno das línguas na igreja moderna, percebemos que ele difere diametralmente do dom na igreja primitiva. Algumas características das línguas da atualidade são: 
Elas são consideradas sinal de espiritualidade e demonstração de que o Espírito Santo age de uma maneira mais profunda naqueles que as falam.
Todos os crentes são encorajados a falar em línguas para progredirem espiritualmente.
Há momentos no culto público em que todos, ou grande parte das pessoas, falam em línguas simultaneamente.
Não se trata de idiomas, mas de sílabas unidas ao acaso e sem significado ou repetições de palavras e fonemas.
São ensinados métodos para que pessoas que não falam em línguas possam aprender a falar por meio de relaxamento ou de treino. 
As línguas não são traduzidas a fim de haver edificação da igreja e evangelização dos visitantes incrédulos. 
Há grande resistência quanto à aceitação e aplicação das normas que Paulo deu para o uso do dom de línguas.
De onde vieram os conceitos atuais sobre o dom de línguas?
Uma análise histórica entre os séculos I2 e 19 mostra que os teólogos de maior expressão, tanto da antiguidade como da reforma protestante, não exerciam nem ensinaram a prática do dom de línguas. Durante todo esse tempo, a maioria dos casos em que esporadicamente se ouve falar sobre o dom de línguas é entre grupos como montanistas, jansenistas (católicos pietistas), quacres, shakers e mórmons. 
Entretanto, o início marcante do dom de línguas da atualidade veio por intermédio do movimento conhecido como “Avivamento da Rua Azusa”, fundado em 1906 por William J. Seymour. Ele se inspirou em Charles Fox Parham, pioneiro da idéia de que o sinal específico do batismo do Espírito Santo é “falar em línguas”. 
A análise bíblica e histórica do dom de línguas e a presença de inúmeras contradições e diferenças entre o uso atual das línguas e o uso na igreja primitiva levam-nos à conclusão de que o dom de línguas atual não é, de modo algum, a mesma experiência que a igreja apresentou no primeiro século. As normas paulinas são o divisor de águas entre as línguas do passado e as de hoje.
Qual foi o propósito do dom no ‘Novo Testamento’?
A constatação da descontinuidade do dom de línguas descrito no Novo Testamento em relação à experiência atual levanta algumas perguntas. Uma delas é: “Se o dom de línguas da igreja primitiva não servia aos propósitos difundidos na atualidade, qual era sua real função?”.
Em 1Coríntios 14, Paulo não apenas proibiu o uso indevido do dom de línguas e o graduou como secundário na edificação da igreja. Paulo também revelou o propósito “principal” das línguas: servir como um “sinal” de Deus para os incrédulos (1Co 14.22). 
Deuteronômio 28 contém dois tipos de promessa de Deus aos judeus. O primeiro é a promessa de bênçãos pela obediência dos judeus ao Senhor (Dt 28.1-14). O segundo é a promessa de castigo pela desobediência (Dt 28.15-68). Em meio à lista de castigos prometidos ao povo judeu caso “não dessem ouvidos à voz do Senhor”, um deles fica em destaque: “O SENHOR levantará contra ti uma nação de longe, da extremidade da terra virá, como o vôo impetuoso da águia, nação cuja língua não entenderás; nação feroz de rosto, que não respeitará ao velho, nem se apiedará do moço. Ela comerá o fruto dos teus animais e o fruto da tua terra, até que sejas destruído; e não te deixará cereal, mosto, nem azeite, nem as crias das tuas vacas e das tuas ovelhas, até que te haja consumido. Sitiar-te-á em todas as tuas cidades, até que venham a cair, em toda a tua terra, os altos e fortes muros em que confiavas; e te sitiará em todas as tuas cidades, em toda a terra que o SENHOR, teu Deus, te deu. Comerás o fruto do teu ventre, a carne de teus filhos e de tuas filhas, que te der o SENHOR, teu Deus, na angústia e no aperto com que os teus inimigos te apertarão” (Dt 28.49-53).
Essa é a promessa de um grande castigo de Deus pela desobediência de Israel usando como instrumento de castigo uma nação poderosa. Essa nação seria estrangeira, pois falaria uma língua não seria entendida pelos israelitas. Esse povo, por fim, traria grande destruição e mortandade a Israel. Pouco antes de decretar tal punição, o Senhor revelou que esses eventos seriam um “sinal” para os israelitas de que eles estavam sob a mão punitiva de Deus (Dt 28.46,47). Essa promessa se cumpriu algumas vezes de maneira clara e arrebatadora. Três datas notáveis desse cumprimento foram 722 a.C., 587 a.C. e 70 A.D. 
Em 722 a.C., quando Israel estava divido em dois reinos – o reino do norte (Israel) com suas dez tribos, e o reino do sul (Judá) formado pelas tribos de Judá e Benjamim – o reino do norte foi devastado pelos assírios e o povo foi levado cativo para a Assíria, onde foi miscigenado com outros povos (2Re 17.5,6,22,23). Em 587 a.C., o mesmo aconteceu ao reino do sul (Judá). Jerusalém, capital de Judá, foi destruída junto com o Templo que Salomão havia construído para o culto a Deus. Os habitantes foram exilados na Babilônia até o ano 539 a.C. (2Re 25.8,9).
Prevendo esse tipo de punição, o Senhor enviou profetas para alertar o povo dos seus pecados, conclamá-los ao arrependimento e anunciar o juízo caso não mudassem seu modo de agir. Entre esses alertas dois deles chamam a atenção para si: 
a) Isaías pregou arrependimento ao povo garantindo que Deus os perdoaria e purificaria. Contudo, alertou que a obstinação deles os tornaria alvo de “espada” (Is 1.16-20). Infelizmente, o povo não deu ouvidos à voz do Senhor. Isaías, então, profetizou a punição de Deus e disse que nem mesmo o castigo e o sinal de uma “língua estranha” seriam capazes de produzir arrependimento na nação de Israel (Is 28.11,12 cf. v.1).
b) Deus falou à nação de Judá, por meio de Jeremias, convidando-a ao arrependimento e à purificação (Jr 3.14,15). A exemplo de Israel, Judá também não deu ouvidos à voz do Senhor. Portanto, Deus usou a Babilônia, sob o comando de Nabucodonosor, para castigar Judá. Nesse caso, o “sinal” do juízo de Deus também foi dado por meio de um povo destruidor, cuja língua eles não entendiam (Jr 5.12-17). 
Nos dias no Novo Testamento também houve uma grande destruição em Jerusalém (70 A.D.) e em todo o país. Os acontecimentos da guerra entre os judeus e os romanos (66–70 A.D.) não foram narrados nas Escrituras, mas a História não os deixou passar em branco. O historiador Flávio Josefo conta que Vespasiano derrotou e devastou toda a Galiléia, Peréia e Iduméia e partiu em direção a Jerusalém. Nessa época, a cidade estava tomada e dividida por três partidos de judeus que se destruíam mutuamente. Crimes, roubos e assassinatos aconteciam à luz do dia. Qualquer um que tentasse fugir de Jerusalém era morto. Essa guerra civil custou o próprio mantimento de trigo que serviria para sustentar anos de cerco. A fome e o roubo de mantimentos pelos rebeldes em Jerusalém chegaram a níveis insuportáveis.
Quando Vespasiano foi feito imperador, seu filho Tito assumiu o comando do exército romano e sitiou Jerusalém. Em quinze dias tomou o primeiro muro e em mais nove, o segundo. Restando apenas a terceira muralha e o muro do Templo, Tito ofereceu, em vão, a paz aos judeus. Como não houve rendição, depois de quatro meses de cerco o Templo foi invadido e, mesmo contra as ordens de Tito, foi queimado e destruído. Quinze dias depois Jerusalém estava completamente destruída e quem passasse por ali teria dificuldades em acreditar que ali fora um centro populoso. Os números da guerra, não levando em conta o quase meio milhão de judeus mortos em todo o território palestino e egípcio, foram: 97 mil prisioneiros e 1,1 milhão mortos em Jerusalém por crimes, fome, peste e guerra. 
O motivo de tamanha destruição foi o mesmo de 722 a.C. e 587 a.C: desobediência às ordens de Deus. Quatro décadas antes Jesus pregou entre os judeus e se apresentou como Deus e Salvador. Ele transmitiu à nação as palavras e promessas de Deus a respeito da redenção mediante o arrependimento e a fé no Filho (Jo 10.24-26,3014.6). O livro de Hebreus diz que Jesus falou aos homens do seu tempo assim como Deus falou com os antigos por meio dos profetas (Hb 1.1,2).
Infelizmente, a reação dos judeus a tais palavras não foi fé e obediência, mas rejeição e morte a Jesus (Jo 19.15,16). Novamente o povo deixou de obedecer e “não deu ouvidos à voz do Senhor”. Desse modo, Judá seria punida mais uma vez. O vislumbre do castigo que traria destruição a Jerusalém e ao Templo fez com que Jesus anunciasse e lamentasse a terrível tragédia (Mt 24.1,2Lc 19.41-4421.20-24). 
Como das outras vezes, Deus levantou uma nação poderosa para trazer castigo pela incredulidade e desobediência dos judeus. A diferença é que, dessa vez, o instrumento usado por Deus (o povo romano) dominava sobre os israelitas havia mais de cem anos. Como Deus prometeu que os castigos descritos em Deuteronômio 28 seriam “um sinal aos judeus para sempre” (Dt 28.46,47), ele possivelmente decidiu sinalizar o castigo por meio da Igreja. Para esse fim a Igreja passou a sinalizar tal juízo por intermédio de línguas estrangeiras que não eram entendidas pelo povo judeu. Por esse motivo Paulo diz que as línguas não eram para crentes, mas para incrédulos (1Co 14.21,22). O povo que rejeitou e matou o Deus Filho estava sendo alertado sobre a dura punição que recairia sobre eles e sendo convidado ao arrependimento.
A primeira vez que o dom de línguas ocorreu na História foi cinquenta dias após a morte de Jesus. Os 120 discípulos de Cristo que receberam o Espírito Santo começaram a falar em outros idiomas na presença de grande multidão de judeus incrédulos de todas as partes do mundo. Ao ficarem espantados por verem galileus iletrados falando correta e claramente em idiomas de terras distantes, esses judeus incrédulos foram repreendidos por Pedro a respeito do que fizeram com Jesus (At 2.22-24). Em vista disso, muitos deles se arrependeram e buscaram um meio de fugir da condenação por tão grande crime. Para eles Pedro ordenou que se arrependessem e se convertessem do caminho dos perversos (At 2.37-40). Diante da pregação e do anúncio da culpa 3 mil judeus foram convertidos somente nesse dia (At 2.41). 
Desse modo, encontramos o propósito da concessão do dom de línguas à Igreja. Ele foi o sinal que Deus enviou aos incrédulos que apontava para o juízo que recairia sobre eles. E o fato de uma pequena porcentagem ter crido em tais promessas demonstra que o propósito do dom de línguas não era primariamente evangelizar os incrédulos, mas trazer sobre eles o juízo de Deus.
O dom de línguas ainda existe hoje?
O juízo que o dom de línguas sinalizava aconteceu no ano 70 A.D. Estando Jerusalém destruída por sua rejeição a Jesus e às palavras de Deus, o dom “atingiu seu propósito”. Não havia, a partir de então, o que ser sinalizado diante dos judeus e, assim, o sinal “deixou de ser necessário”. Por isso, o dom de línguas cessou após a destruição de Jerusalém no ano 70 A.D. 
Na verdade, esse não é o único exemplo na Bíblia que mostra que Deus usa um sinal somente até que o fato sinalizado aconteça. Encontramos um bom exemplo em Colossenses 2.16,17. Paulo ensina aos colossenses que eles não deviam seguir os aspectos cerimoniais da Lei judaica por serem “sombras das coisas que haveriam de vir”. Em outras palavras, eram sinais e símbolos de aspectos da obra redentora de Cristo que seriam cumpridos com sua vinda. Depois que Cristo consumou sua obra, esses sinais perderam a utilidade. Por isso não fazemos mais sacrifícios, nem guardamos o sábado, nem nos abstemos de alimentos que eram considerados impuros. De forma semelhante, o dom de línguas deixou de existir assim que Jerusalém foi destruída. 
Conclusão
Portanto, o dom de línguas não mais existe desde a destruição de Jerusalém pelos romanos na segunda metade do século 1, em meio à incrível mortandade de israelitas.
Se as línguas de hoje são tão confusas e diferentes do que a Bíblia relata e ensina, é por serem uma tentativa de fazer artificialmente o que o Espírito Santo fez no passado com um propósito definido que não existe mais. É por isso que, em vez de buscar falar em línguas, os cristãos de hoje devem “dar ouvidos à voz do Senhor” e priorizar o serviço e o amor a Deus e aos homens com um coração fiel, submisso e transformado.

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