Cosmovisão Cristã - Aula 3 - A Construção de Uma Cosmovisão
EBD – Sala de Jovens – Março 2018
“Aula 3 – A Construção de Uma Cosmovisão”
Introdução
Na última aula, vimos “O que é
uma cosmovisão cristã”, e tentamos algumas definições. Hoje, vamos dar um passo
a mais, tentando demonstrar os elementos que constroem uma cosmovisão e como
essa construção pode e deve ser o mais consciente possível.
James Sire, em “Dando Nome ao
Elefante” nos oferece um capítulo que trabalha com a ideia de definir o que é
cosmovisão.
Cosmovisão é um conjunto de pressuposições (suposições que podem ser verdadeiras, parcialmente verdadeiras ou totalmente falsas) que sustentamos (consciente ou subconscientemente, consistente ou inconsistentemente) sobre a constituição básica do nosso mundo (SIRE, 2012, pág. 29).
O que nos chama a atenção na
definição de Sire são os pontos explicativos entre parênteses, que indicam que
uma cosmovisão pode ser verdadeira e até falsa, consciente ou até não
percebida, ou seja, ter uma cosmovisão não garante que você realmente saiba que
tem, tampouco significa que você está realmente certo sobre o que pensa a
respeito da realidade.
Uma Cosmovisão Nasce da Necessidade de
Existir
Você naturalmente empreende a
construção de uma cosmovisão, mesmo que não saiba que está fazendo. Isso
acontece como um movimento natural do ser humano que precisa pensar para
existir.
O homem é visivelmente feito para pensar. Aí reside sua dignidade e seu mérito; e todo o seu dever é pensar com acerto (Blaise Pascal, Pensamentos).
Como já vimos na primeira aula,
o ser humano é um ser “pístico”, isto é, ele vive sob um sistema de crenças. Em
outras palavras, ele tem mais que a capacidade cognitiva avançada dos grandes
primatas, ele precisa desenvolve interpretação da sua realidade.
Salomão, aconselhando sobre a
opinião dos outros, fala sobre o invejoso e orienta a não se perder em seus
pensamentos. Ele justifica dizendo que o que ele pensa em sua alma é o que ele
é:
Como imagina em sua alma, assim ele é (Pv 23.7a).
O ser humano existe e sabe que
existe. Mas isso não basta, o ser humano precisa saber o que justifica a sua
existência, por isso, ele constrói um conjunto de crenças sobre a realidade de
si mesmo e de tudo que o certa. Essa é uma necessidade da racionalidade efetiva
que torna o ser humano um ser “pístico”, que crê.
Decartes, embora tenha
promovido a ceticismo científico, duvidando de tudo e procurando construir uma
percepção consistente da realidade, só não duvidou de sua própria realidade por
uma razão, ele admitia que o fato de pensar e se perguntar sobre tudo
justificava sua existência: “Penso, logo existo”.
Acho que podemos, com alguma
segurança, afirmar que seria verdadeiro para o ser humano considerar o
seguinte: “existo, então preciso pensar”.
Na nossa primeira aula, quando
falamos sobre o conceito de “plena humanidade”, discorremos sobre a relação que
temos com a “eternidade” e a “infinitude”. Ambas necessidades da alma humana,
implantadas pelo Criador em nossa alma, no momento em que nos criou à sua
imagem e semelhança.
Tudo fez Deus formoso no seu devido tempo; também pôs a eternidade no coração do homem (Ec 3.11a).
A plena humanidade é construída por meio
deste trabalho de interpretação da própria existência, para que possamos
realmente descansar sobre um fundamento pístico seguro, ao menos para nós
mesmos, sobre o que é o mundo e o que somos nós neste mundo. Este é um
movimento de IDENTIDADE.
O Livro de Gênesis, o primeiro da Bíblia é
um livro de identificação do homem. O que você percebe na construção
empreendida por Moisés é que ele estava respondendo a uma questão básica: de onde viemos? Quem somos nós?
Uma Cosmovisão é Construída Por Meio de
Perguntas e Respostas
James Sires sugere sete perguntas essências
que nos levam a construir nossa cosmovisão:
- Qual é a realidade primordial? O que realmente a realidade é?
- Qual a natureza da realidade à nossa volta?
- Que é o homem?
- O que acontece com as pessoas quando morrem?
- O que é realmente possível conhecer?
- Como sabemos o que é certo ou errado?
- Qual o significado da realidade?
Não sei se concordo que estas sejam as
questões mais importantes a serem feitas. Mas concordo que precisamos de
respostas essenciais para construirmos nossa interpretação da vida para
podermos seguir adiante.
Que é o homem para que dele te lembres? (Sl 8.4a).
O homem, por causa de sua realidade
pística, precisa construir um conjunto de crenças à respeito de si mesmo.
Naturalmente, ele promove esta construção questionando a si mesmo sobre o que é
tudo.
Aqui entram as perguntas inquietantes das
crianças que querem saber onde estavam antes de nascer. Ou ainda, quando uma
criança cristã pressupõe que existe Deus, ela logo pergunta: quem criou Deus?
O ser humano precisa de respostas para
viver, este é o sinal de sua sede de eternidade. Por isso, os homens constroem filosofias,
porque eles perguntam e querem respostas sobre a realidade e a própria
existência. A meta do ser humano é a estabilidade de sua própria alma, que se
alimenta destas respostas para se sentir segura. O ser humano precisa de
respostas. E devemos considerar que o problema do ser humano caído é que ele
não se importa se as respostas são verdadeiras, elas só precisam parecer
verdadeiras e precisam apenas ser “respostas”.
Diz o insensato no seu coração: Não há Deus (Sl 53.1ss)
Para o insensato, a resposta da não
existência de Deus é suficiente para preencher o campo pístico de sua
existência. Contudo, o problema com essa resposta é que ela não é verdadeira e
o resultado dela é a corrupção, como o texto nos revela na sua continuidade.
Portanto, se precisamos de perguntas para
construir a base sólida de existência estável, devemos considerar que as
respostas que fornecemos para estas perguntas precisam ser respostas verdadeiras,
a ponto de sabermos quem realmente somos e para que existimos, a fim de
proporcionar a nós mesmos um significado e um sentido verdadeiros.
Construímos nossa Cosmovisão ou Somos
Construídos por ela?
Como vimos a pouco, corremos o
risco de sermos guiados existencialmente pelas respostas erradas e alcançarmos
um conceito completamente equivocado de cosmovisão. A questão anterior a esta
é: realmente construímos nossa cosmovisão?
Como as cosmovisões são
construídas? Existe uma rede existêncial que nos cerca e nos ajuda a construir
nossa cosmovisão. Parte desta rede é imposta ou parte é construída.
Dizemos que é imposta a nós,
mas não devemos pensar que esta imposição seja um movimento despótico. Trata-se
da natural rede existencial que nos ampara em nosso nascimento e nos conduz,
por meio das suas cosmovisões, ou pressuposições da vida.
Cosmovisão e Família
A família é a primeira e mais
importante rede existencial que nos abriga neste mundo. A família tem papel
importante na construção da nossa cosmovisão. Desde crianças, nossos pais, por
causa da cosmovisão que construíram para si, nos conduzem nesta vida,
implementando sementes cosmovisionais sobre nosso coração.
Tu, porém, permanece naquilo que aprendeste e de que foste inteirado, sabendo de quem o aprendeste. E que, desde a infância, sabes as sagradas letras, que podem tornar-te sábio para a salvação pela fé em Cristo Jesus (2Tm 3.14-15).
Quero destacar neste verso a
expressão “foste inteirado” que é em grego uma palavra só: epistothes. Aqui
temos a junção de duas palavas, a preposição “epi” (do alto) e o substantivo “pisteo”
(fé – crença). Lilteralmente seria uma palavra que poderia ser explicada como “crença
de fora”. Além disto, uma coisa importante é o tempo verbal da expressão “epistothes”,
que é a forma Indicativa, aoristo, passivo. Esse tempo verbal indica uma ação
durativa, que aconteceu no passado, segue pelo presente, independemente do
desejo pessoal. Isto pode nos levar a seguinte interpretação: “crença de fora
que foi e continua sendo incutida em você”. Por isto, no final, a ideia de “de
que foste inteirado”.
O ponto que quero apresentar é
que a família de Timóteo exerceu e exercia sobre ele uma continua influencia
epistemológica, incutindo nele valores que ele deveria não resistir, mas permanecer
nele. Muitos outros textos bíblicos nos dão ciência de que a família é nossa
primeira rede existêncial transmissora de valores. Lembrando que as cosmovisões
podem ser verdadeiras, parcialmente verdadeiras ou totalmente falsas. Portanto,
não estamos afirmando aqui que a família é uma fonte verdadeira, depende de
qual a cosmovisão que a preparou.
A rede humana que nos envolve – cultura da sociedade
Sem dúvida alguma, como seres
que refletem ao mundo à sua volta, somos impactados pelo como vive a sociedade
ao nosso redor e isto também constrói nosso universo de crenças.
Nas Escrituras, esse fator era
tão importante que o povo de Israel foi aconselhado a não se misturar com os
povos da terra de Canaã, antes expulsá-los dali, para que não fossem
contaminados com suas cosmovisões, ou pressuposições e, por essa influencia,
deixassem de caminhar com Deus.
Não andeis nos costumes da gente que eu lanço de diante de vós, porque fizeram todas estas coisas; por isso, me aborreci deles. Mas a vós outros vos tenho dito: em herança possuireis a terra, eu vo-la darei para a possuirdes, terra que mana leite e mel. Eu sou o Senhor, vosso Deus, que vos separei dos povos (Lv 20.23-24).
Os hábitos aprendidos no meio
social em que somos inseridos são fortes e promovem nossa maneira de pensar a
vida. Por isso, certamente, um japonês pensa de forma diferente sobre o que é
honrado, em relação ao que pensa um brasileiro e um argente intui de forma
diferente os valores que devem construir a alma patriótica do que o pensa um
alemão etc.
Mais uma vez, fica a
advertência de que as cosmovisões podem ser verdadeiras, parcialmente
verdadeiras ou totalmente falsas. Portanto, corremos sim o risco de que
tenhamos elementos cosmovisionais socialmente construídos, que são
profundamente equivocados.
Traços de personalidade e cosmovisão
Somos sim, formados no contexto
da família e da sociedade, mas somos pessoas com um universo pessoal riquíssimo
e completamente distinto dos nossos pais e amigos.
Essa singularidade da riqueza
do indivíduo é uma das mais belas lições das Escrituras sobre o ser humano.
Cada ser humano é distinto e distinguido por Deus. Cada um foi criado e
preparado por ele com traços completamente distintos dos demais.
Senhor tu me sondas e me conheces. (...) os meus ossos não te foram encobertos, quando no oculto fui formado e entretecido como nas profundezas da terra (Sl 139.1 e 15).
A pessoalidade é uma dádiva
divina e fruto de sua grandiosa bondade. A individualidade de cada ser garante
uma beleza criacional inestimável e proporciona que, mesmo que vivamos sob as
mesmas condições, na mesma família, debaixo do mesmo abrigo social, com certeza,
reagiremos e nos disporemos de forma diferente dos nossos irmãos para a vida
como um todo.
Nossa personalidade individual
proporcionará ações e reações diferentes aos estímulos cosmovisionais que
recebemos ao longo da vida. Nem sempre reagimos de forma pensada ou refletida,
mas nossos traços de personalidade promovem o modo como as influencias
cosmovisionais penetram e forma o nosso próprio conjunto de crenças
existenciais.
Influencias externas e novos aprendizados
Influencias externas são
aqueles elementos que transitam em nossa formação pessoal, como os livros, os
filmes, pessoas que conhecemos que vieram de outras culturas, experiência que
temos fora dos nossos próprios contextos de redes existências, a família do
outro, um amigo da faculdade, um vizinho etc.
Estamos falando de pessoas e elementos
formadores de cultura que sejam mais distantes de nós e do nosso contexto
pessoal, mas que produzem força de formação sobre nossas convicções de mundo.
Disse o rei a Aspenaz, chefe dos seus eunucos, que trouxesse alguns dos filhos de Israel, tanto da linhagem real com odos nobres, jovens, sem nenhum defeito, de boa aparência, instruídos em toda a sabedoria, doutos em ciência, versados no conhecimento e que fossem competentes para assistirem no palácio do rei e lhes ensinasse a cultura e a língua dos caldeus (Dn 1.3-4).
Este é o processo educacional
formal e informal que compõe nosso ambiente de construção cosmovisional. Ele é,
em muitos aspectos, fortemente determinante para o resultado final de nossa
perspectiva cosmovisional.
Conclusão
Precisamos considerar o fato de
que nossa cosmovisão não é um produto exato, mas o resultado de várias
construções, mais ou menos controladas, que acontecem no transcorrer de nossa
vida.
O ponto mais importante a se
pensar é que todos possuímos uma cosmovisão, que pode ser mais ou menos
consciente e que precisamos disto para existir de forma plena.
Também é importante considerar
que as cosmovisões que se constroem em nossa mente, podem ser verdadeiras,
parcialmente verdadeiras ou até completamente falsas, portanto é importante o
trabalho de investigação da sua origem e a avaliação adequada da sua aproximação
com a verdade.
Por fim, precisamos discernir
todos os movimentos ocorridos em nossa vida e começar a promover de forma, cada
vez mais consciente, uma avaliação dos conteúdos que formaram e formam a nossa
cosmovisão.
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