Cosmovisão - Aula 7 - Motivo Base Cristão Bíblico


EBD – Sala de Jovens – Maio 2018 

“Aula 7 – O Motivo Base da Cosmovisão Cristã: Criação-Queda-Redenção”


Introdução


O que são “Motivos Base”?
O coração, centro de toda a vida do homem, tem um impulso natural transcendente, como já exploramos tanto em várias aulas. Este impulso leva o homem a buscar fora de si os valores e explicação que dão consistência à sua existência. 
Assim é que nascem as cosmovisões, ou seja, como resultados deste impulso natural pela eternidade, ou transcendência e estruturam a visão de realidade que organiza o modo de existir dos seres humanos. 
Depois da queda e a natural perda de teorreferência por parte do homem, a direção a que este impulso transcendente se desvia de Deus e torna algum aspecto da realidade absoluto e formativo. Em outras palavras, o que acontece é um processo idolátrico de substituição de Deus, por outro elemento organizador da realidade. 
Estes elementos organizadores da realidade a Filosofia Reformacional denomina de “motivos base”. Eles são a explicação básica da realidade, os pontos de partida para o entendimento da realidade e são construídos a partir do impulso religioso do coração. 
Herman Dooyeweerd identificou quatro grandes motivos base do pensamento Ocidental. Eles formam a cadeia de explicações que em geral encontramos em todo o modo de estruturação a realidade no mundo ocidental. 

Motivo Base Grego: Matéria-Forma 
Quando analisamos a construção da cultura grega e a sua religiosidade inerente, percebemos a força demonstrada na palavra “theoria”derivada do radical theos(deus), e o verbo “teorizar”, que é construído do radical “thea”(deusa). 
Facilmente notamos que as explicações gregas sobre a constituição a realidade têm uma profunda conexão com a religiosidade, pois consideravam que esta construção do significado da realidade era uma aproximação com o absoluto. 
Os mitos gregos foram a forma de explicação mais comum para as realidades últimas das coisas e dos seres das coisas. Os contrastes entre os mitos dos deuses “Dionísio” e “Apolo”, os deuses da natureza e os deuses olímpicos, mostram como os gregos passaram de explicações naturalistas, baseadas no movimento das matérias, para o estabelecimento de formas morais mais consistentes.  
Enquanto Dionísio refere-se a um apego aos aspectos naturais deterministas evidenciados pelas colheitas e estações, pelo movimento dos astros e por um fluxo natural e circular da vida (ananké). Apolo, o legislador, cujo culto configura o outro ponto de tensão do motivo religioso grego, chamado “forma”, em que há uma conjunção ao aspecto cultural da polis grega (DOOYEWEERD, 2015, p.230) 
Essa explicação dupla da realidade, conduziu o pensamento grego a um dualismo. Por um lado, a evidência prática de que a matéria é real e se transforma por meio de um fluxo contínuo, de outro, os idealismos do pensamento e da religiosidade perfeita e bela do Olimpo, onde os deuses não são tão grosseiros quanto a religiosidade dionisíaca, mas demonstram mais elevado apreço pela realidade mais profunda das coisas.
O próprio ser humano ilustrava esse dualismo no fato de que ele é “corpo” e “alma”. A matéria grosseira das formas que se alteram no fluxo do tempo e da vida e a beleza desconhecida, não visível, da alma.  
As tentativas de superar esta tensão ao desprezar a matéria, ganha tons de ascetismo, como a fuga dos prazeres mundanos e uma vida dedicada nos templos; ou como no caso dos Epicureus e dos cínicos, que adotaram o hedonismo desprezando os deuses ou a transcendência. 
O motivo “matéria” retirava do homem a compreensão de um valor inerente à sua existência, tornando-o um subproduto de uma matéria sem forma. Em contraste, o motivo “forma” (arché) cujo o ideal de cidadania, liberdade e escravidão existente na polis regia a atuação do homem nesta mesma sociedade. Retirado o caráter romântico da Grécia Antiga e revelado o caráter absoluto da polis, o cidadão possuía apenas uma impressão de desenvolvimento e paz social. Para aqueles que eram de fora da cidade-Estado Grega, não havia sequer o reconhecimento de que eram humanos (DOOYEWEERD, 2015, p.48). 
Esse motivo-base “matéria-forma” permeia, ainda hoje, o pensamento ocidental e até parte do pensamento cristão. Ícones populares da cultura pop, por exemplo, como os famosos “bombadões e populares da escola” em contraste com o “mundo geek” ou os “nerds” que acreditam que a vida possui valores superiores ao das formas. 
Às vezes, um mesmo movimento idolátrico de substituição da verdade de Deus pode usar os dois lados desse motivo base como suporte à sua teoria. Como movimentos LGBTs que procuram afirmar a ideia de que o “corpo humano” é uma realidade “meramente material” e não possui valores transcendentes, portanto, faço do meu corpo o que acho melhor e a contrapartida dos que desprezam a ideia de corpo como algo relevante e preferem considerar os ideais mentais e a subjetividade como superior.

Motivo-base Católico Romano: Natureza-Graça
Durante a idade média muitos padres, na solidão do claustro procuraram desenvolver uma vasta série de estudos para explicar a realidade na qual estavam inseridos. Buscando nas fontes da filosofia Grega, tentando sintetizar com o pensamento cristão (DOOYEWEERD, 2015, p.138). 

Tomás de Aquino o doutor angelical (1225-1274) – ele é considerado o sistematizador do pensamento católico moderno. Ao considerar as expressões gregas de construção da explicação da realidade, Aquino olhar para realidade e concebeu a ideia de que o mundo não se separava radicalmente em um contraste entre “realidade temporal – matéria” e “realidade espiritual – forma”, mas que ambos tinham sua funcionalidade, atuando diretamente e distintamente em dois níveis de realidade: natureza- graça. 
Ele representou esse binômio por dois andares, afirmando que a vida natural constituía o andar inferior e a espiritualidade, as coisas concernentes à relação com o transcendente, o andar superior. 
No andar inferior estavam o Estado e a família, a academia secular, a tecnologia, a arte, os negócios e o comércio. Neste domínio a razão poderia funcionar corretamente à parte da revelação. Já no andar superior encontramos a vida sobrenatural da graça, a qual não interfere na vida natural, mas complementa e ultrapassa. 
A igreja, portanto, lidava com as coisas elevadas do andar de cima e deveria, portanto, ter primazia de influencia sobre todas as esferas da sociedade, afinal sua resposta superior precisava ser a causa da mudança da humanidade para uma condição de vida natural melhor.
A dialética pode ser percebida no comportamento que a Igreja Católica desempenhou durante o período de evangelização dos povos “bárbaros” do Norte da Europa, ou com as religiões africanas através do sincretismo religioso. Também é notado na nomenclatura dada ao papa de “pontífice” ou “aquele que constrói pontes”, pois seria apenas por intermédio da ponte com a Igreja que a matéria da natureza seria aperfeiçoada para uma realidade superior, elevada, aqui chamada de Graça. Até mesmo o Estado agora está sob o domínio da Igreja, pois este também estaria ligado ao conceito de “Natureza” (DOOYEWEERD, 2015, p.143). 
E, assim, também durante o medievo foi possível perceber a Igreja Romana tornando absoluto o controle de todas as esferas da sociedade, seja a econômica, política, social, científica, pois estas deveriam ser submissas aos dogmas da Igreja. 
O motivo religioso que permeava o pensamento medieval foi perdendo força com o advento do Humanismo e da Reforma Protestante, apesar de ser possível ser sentido nos países de tradição católica.

Motivo-base Humanista: Natureza-Liberdade
Como resposta à supremacia da religiosidade sobre a vida natural, uma forte resistência começou a se levantar, o movimento de libertação clerical ou anti-teocentrismo tentava romper o domínico eclesiástico. Surgiu o que chamamos de movimento humanista. 
Uma nova tensão dialética começa a se formar principalmente nas faculdades. Esse motivo religioso chegou à sua maturação no período conhecido por Iluminismo. O iluminismo se tornou uma força cultural predominante no Ocidente e ajudou a modelar muitas das grandes instituições modernas, como o Estado Moderno, a Ciência Moderna e até as ideias de Liberdade que marcam o mundo ocidental.
O motivo-base humanista, como uma virada de mesa contra as percepções de mundo anteriores, em especial o motivo base católico, buscou uma inversão radical, que se aprofundaria nos séculos seguintes: em lugar do andar superior, influenciando o andar inferior, no motivo-base humanista, o andar inferior, a naturalidade supera o andar o superior e, nos séculos seguintes, o destrói, como no pensamento niilista de Nietzsche.
O homem se tornou o centro da sua própria existência e determinaria seu próprio destino (KALSBEEK, 2015, p. 121), pois sem as amarras da religião, dos mitos e da ignorância, a relação do homem com a realidade era de liberdade para desenvolver a si mesmo. 
Apesar dos seus avanços, o humanismo não conseguiu superar a dialética da natureza-liberdade, pois se o homem é autônomo, mas está inserido na natureza, então ele também pode ser explicado de forma determinista tal qual a visão de natureza. Sem autonomia, o homem seria determinado através de vários ismos, que seria uma forma de tornar absoluto algo relativo como o “materialismo, o biologismo, psicologismo, o logicismo e o historicismo”. (KALSBEEK, 2015, p.98) 
O problema deste motivo-base “Natureza-Liberdade” é que ele se tornou uma redução absoluta da realidade a uma única esfera, absolutizando realidades naturais e fazendo uma leitura da realidade onde o impulso transcendente se tornou uma negação de si mesmo. Afinal, não existindo a realidade transcendente, como satisfazer esta busca de sentido.

Estes motivo-base lidam com uma realidade em luta, isto é, valorizam um aspecto em detrimento do outro. A sua abordagem da realidade é sempre um conflito e propõe a inferiorização de um aspecto em relação ao outro. No final, o motivo base humanista, com a tentativa de eliminação da realidade transcendente resultou em uma piora da condição de explicação da realidade com uma abordagem essencialmente materialista e a negação de uma esfera transcendete da realidade. 

O Motivo Base da Cosmovisão Cristã Bíblica – Criação-Queda-Redenção
A Cosmovisão Cristã Bíblica propõe uma visão de unidade entre realidade natural e trancendente. Antes de um conflito, a cosmovisão cristã bíblica propõe uma percepção de continuidade, complementaridade e progresso.
O motivo-base da perspectiva cristã bíblica é a de que o Universo foi criado perfeito, sofreu uma descontinuidade de sua perfeição na queda e será restaurado em toda a sua plenitude num processo de redenção centrado em um retorno do homem à realidade plena da presença e desfrute de Deus. 
A filosofia Cosmonômica parte de um princípio Teísta, no qual a realidade foi uma obra de criação. Diferente de um universo auto existente como no motivo grego ou advinda do caos como foi proposta pelo pensamento moderno, o motivo religioso criação-queda-redenção reorienta a nova visão do homem na sua relação com a realidade, seu sentido existencial último, a Ciência e o Estado. 
Diferente do motivo grego e do motivo católico romano que enxergava a natureza como um nível inferior, o motivo criação-queda-redenção entende que a partir do momento que o relacionamento do homem é restaurado com a realidade, ele pode dar vazão à toda a sua potencialidade original. A estrutura do universo não foi alterada, pois o desvio ocorreu no coração do homem e não na realidade (KALSBEEK, 2015, p.57). 
Portanto não se trata de uma transformação da natureza em um sentido ontológico ou valorativo, mas uma readequação do homem no seu relacionamento com uma criação originalmente boa. Apesar de ter um motivo profundamente arraigado no pensamento religioso orientado por Calvino, veremos agora como é possível diante deste motivo, realizar uma análise não reducionista e Não imanente da realidade. Para Dooyeweerd e para os adeptos da filosofia cosmonômica, essa afirmação é de caráter princípio lógico, fundacional e não necessariamente literal. 

Comentários

Postagens mais visitadas